“Mas ele já move o braço”: Por que a Reabilitação Neurológica e a Reabilitação Cognitiva é Muito Mais que força na mão.
Quando pensamos em reabilitação após um AVC, um traumatismo craniano ou o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa, a imagem que geralmente vem à mente é a da fisioterapia: o esforço para voltar a andar, para fortalecer um braço, para recuperar o movimento perdido. E, sem dúvida, essa é uma parte vital do processo. No entanto, existe uma camada de desafios, muitas vezes invisível, que determina a verdadeira independência de uma pessoa: a cognição. É aqui que entra em cena a reabilitação cognitiva, um pilar da Terapia Ocupacional.
A pergunta que sempre fazemos na Conexão Seres é: de que adianta conseguir pegar uma xícara se você não consegue lembrar a sequência para preparar o café? Ou se não consegue planejar os passos para ir até a cozinha? A verdadeira autonomia reside na capacidade de pensar, planejar e executar. Este artigo vai explorar como a reabilitação cognitiva na Terapia Ocupacional se torna a ponte entre o movimento recuperado e uma vida funcional e com propósito.
O Cérebro Invisível: Entendendo os Desafios Cognitivos
Uma lesão neurológica raramente afeta apenas a área motora do cérebro. O cérebro é uma rede complexa, e os impactos podem se estender para as chamadas “funções executivas”, que são como o “CEO” do nosso cérebro, responsáveis por gerenciar nossas ações. Os desafios mais comuns que a reabilitação cognitiva busca tratar incluem:
- Memória: Dificuldade em lembrar de compromissos, de tomar medicamentos, de nomes ou de passos para realizar uma tarefa.
- Atenção: Problemas para se concentrar em uma atividade por tempo suficiente (atenção sustentada) ou para filtrar distrações (atenção seletiva).
- Planejamento e Sequenciamento: Dificuldade em organizar os passos necessários para atingir um objetivo, como preparar uma refeição ou se arrumar para sair.
- Resolução de Problemas: Dificuldade em pensar em soluções quando algo inesperado acontece, como um pote que não abre ou um caminho bloqueado.
- Iniciação e Inibição: Dificuldade tanto para começar uma tarefa quanto para parar um comportamento inadequado.
A Abordagem da Terapia Ocupacional: A Cognição em Ação no Dia a Dia
Enquanto algumas abordagens focam em exercícios cognitivos abstratos (como jogos de memória no computador), a Terapia Ocupacional defende que a reabilitação cognitiva é mais eficaz quando integrada a atividades reais e significativas para o paciente. O cérebro aprende melhor em contexto. Nosso trabalho é ser um detetive funcional, entendendo onde a falha cognitiva acontece e treinando-a na prática.
1. Treinando a Memória na Vida Real
Em vez de apenas memorizar listas de palavras, usamos as tarefas diárias do paciente como plataforma de treino.
- Objetivo: Lembrar de tomar os remédios.
- Estratégias: Ajudamos o paciente a organizar uma caixa de pílulas, a configurar alarmes no celular com os nomes dos remédios e a criar o hábito de checar um quadro branco onde a tarefa é marcada como “concluída”.
2. Fortalecendo a Atenção com Propósito
Manter o foco é mais fácil quando a atividade tem um fim claro e interessante.
- Objetivo: Melhorar a atenção sustentada.
- Atividades: Podemos propor cozinhar uma receita simples que exige seguir um passo a passo, praticar jardinagem, que demanda foco para cuidar das plantas, ou até mesmo retomar um hobby como a montagem de um quebra-cabeça.
3. Reconstruindo o Planejamento e as Funções Executivas
Esta é uma das áreas mais complexas e importantes da reabilitação cognitiva. Quebramos tarefas grandes em passos gerenciáveis.
- Objetivo: Voltar a fazer as compras de supermercado.
- Plano de Ação:
- Planejamento: Juntos, criamos a lista de compras, organizando-a por corredores do mercado.
- Iniciação: Definimos um dia e horário para a tarefa.
- Execução: Acompanhamos (se necessário) o processo, ajudando a navegar pelos corredores e a tomar decisões.
- Resolução de Problemas: “O produto que você queria acabou. Qual podemos levar no lugar?”. Treinamos a flexibilidade mental na prática.
A pesquisa científica apoia fortemente essa abordagem, mostrando que o treino cognitivo contextualizado resulta em melhor generalização das habilidades para as atividades cotidianas, sendo um pilar da reabilitação cognitiva eficaz.

Uma Vida com Mais Confiança e Menos Frustração
O impacto de uma reabilitação cognitiva bem-sucedida é imenso. Para o paciente, significa menos frustração, mais confiança e a reconquista de sua privacidade e autonomia. Para a família, representa um alívio da sobrecarga de ter que gerenciar cada detalhe da vida do seu ente querido.
O objetivo final da reabilitação neurológica não é apenas criar movimento, mas restaurar a capacidade de viver. É garantir que a pessoa possa não apenas segurar a xícara, mas que ela tenha a autonomia para decidir que quer um café, a memória para lembrar como se faz e o planejamento para executar cada passo com independência.
Se você ou alguém que você ama enfrenta desafios com memória, atenção ou planejamento após um evento neurológico, saiba que há um caminho. Fale com a gente e descubra como a Terapia Ocupacional pode ser a peça que faltava para uma reabilitação verdadeiramente completa e funcional. 💚